terça-feira, 13 de março de 2012

Trevo




Não sei se sim ou se não
Israel, Mossoró ou Leblon
Se encho a barriga de pão
Gastando último quinhão

Eu não sei se vou ou se fico
Se compro, se vendo ou fabrico
Eu não sei se fico ou se vou
Se vivo ou se falo de amor

Não sei se corro ou se ando
Tá tudo se congestionando
Eu sou é seguir caminhando
Cá minha dor, caminhando…

Ventilador vem tirando
Esse calor abafado
Destila a dor deste lado
Não sei se rio ou se zango

Baião eu não sei dançar
Não sei se pra lá ou pra cá
Nem um ovo eu sei fritar
Capaz da gema estourar

E nesse vai-não-vai da vida
Eu danço sem compromisso
Coisa nenhuma decidida
Amanhã talvez eu pense nisso 

Neguinho




Não é a parte que me faltava
Não é tudo que eu precisava
É um olhar cantado, é um corpo preciso
É um brilho acuado, que me entrega o riso

Não é a parte que me faltava
É parte gente, parte paraíso e magia
É parte quente, parte amigo e moradia
É parte cura, par frequente e companhia
É partitura que abraça a melodia

Não é a parte que me faltava
Nasci inteirinha, nada me falta, não!
Mas é um todo que eu só achava
Em história bonita de retrato no cordão
Acho que ninguém mais acreditava
Ver Iemanjá chegar de carroça no sertão 

Fantoche de Verso




Acordo sentindo frio
Parece um ninho vazio
O olho demora a abrir
É a poesia querendo sair

Levanto e não leio jornal
Nem converso e coisa e tal
Tem roupa pra pendurar
É a poesia querendo entrar

Abro a porta e as gavetas
Penso em dragões e canetas
A varanda parece iluminar
É a poesia querendo ficar

Nada adoça esse café
Deve ser falta dum cafuné
Já começo a ensurdecer
É a poesia querendo querer

A reza eu esqueci de fazer
Hoje eu não vou botar pra ferver
Procuro coisa bonita pra ouvir
É a poesia querendo dormir

Me reviro e o sono não vem
Barulho da cama faz nhém
Vou levar meu corpo pro sol
É a poesia virando farol

Se chover eu vou querer molhar
Se é som eu vou querer cantar
A seca é maldita e pode castigar
Que eu sou poesia, e vou querer versar

Há Beleza



Com o tempo, e também com a falta dele, descobri que eu terminei por me tornar amiga de tudo aquilo que me cansava, como tivesse uma compaixão louca por tudo quanto é coisa que eu cheguei à conclusão simples de que é chata. É aperriante, sufocante, massacrante, tipo Kant. Não sei se é uma aceitação muito humana, ou se é acomodamento, ou se é esse apartamento… Não sei se é por pura preguiça de gritar, se é por falta de habilidade de bater…
Talvez seja por tudo isso. Talvez não. O fato é que eu percebi que, despercebidamente, eu sigo o clichê não muito famigerado de encontrar uma coisa boa no meio de um monte de coisa ruim e me agarrar à isso, como quem está num navio prestes a afundar e se gruda na parte mais alta que encontra. O navio vai afundar, esteja a pessoa onde estiver, corra pra onde correr. Porque, nesse caso, correr não adianta nada. Nadar sim.
Mas, eu acabo me afogando nesse mundo de ideias que me vêm à cabeça nas horas mais despretenciosas, como quando eu vou ali na padaria comprar um açúcar com uma nota de cem reais, só pra trocar o dinheiro; ou nas horas mais sacanas, quando aquele amigo precisa muito que eu volte toda minha atenção para o que ele está falando mas eu, à deriva, já to sendo visitada por essas ondas salgadas que, às vezes, não trazem lixo consigo. Nessa hora eu chego a pensar que eu sou aquela fraude da concha que tem “o barulho do mar”, e me arrisco a dizer que se alguém encostar o ouvido em mim, pode até escutar as ondas quebrando. Ou o meu estômago roncando. Talvez seja só fome.
De certo que ter um mar na cabeça nunca foi fácil, mas também nunca foi diferente. E, por pensar assim é que eu acabei ficando amiga das chatices dos outros e, por consequencia, das minhas também. Se eu não for amiga do mar, ele é chato. É água salgada, arde o olho, a onda me sacaneia, me gruda areia, a pele descasca. Mas, me amigando à ele é que eu o reconheço como parte integrante do mesmo universo que me gerou e, toda essa imensidão passa a ter uma irmandade quando eu me descubro parte daquela água. É a morte do eu. Sempre fomos e seremos nós e, ainda assim estaremos sozinhos, porque eu aprendi uma palavra nova que se encaixa à isso: aporia.
Mas, independente da minha manipulação do texto para usar a palavrinha nova, eu queria é dizer que hoje eu penso que somos a mesma coisa. Esse mar não poderia ser eu, porque somos nós. É natural que eu seja amiga dos mares, das espaçonaves, dos guarda-roupas, dos quebra-molas, das cebolas, dos vizinhos, dos retratos, dos beatos, dos portões, dos ladrões, do tempo, do vento, do acento, do coentro. E de tudo mais que seria chato, mas não é, porque eu aceitei como uma matéria variável do meu próprio ser.
E eu não sou chata. Eu sou muito legal. 

domingo, 11 de março de 2012

Visitante


"A liberdade, Sancho, não é um pedaço de pão."
Dom Quixote



Uma carruagem arruaceira
Trouxe para nossas terras uma história
Carnificada na vida de um menino
De sorriso gentil e filosofia simplória

Uma tecelagem feiticeira
Calou a nudez de um rapaz
Figurado não pelo que veste
Mas pelo bem que consigo traz

Aquela música festeira  
Chegou saudando o povo sofrido
Seu barulho era de alegria
Homem nenhum tapava o ouvido

Ao tocar a margem que o rio beira
O interior profundo das águas sentiu o carinho
Desse menino fantasiado de mistério
Que não esconde nada, a não ser o seu caminho

Leva seu tato não só às águas turvas
Mas também ao vento embolado
À terra judiada, ao fogo imaculado
E à menina desenhada em curvas

Larga um pouco de si por aí
Com o desapego silencioso
De quem de tanto ir e vir
Aprendeu a ser mais vagaroso

E a brincar com as injúrias do tempo
A saltar de ilha em ilha na memória
A cantar, mesmo na hora do lamento
E a viver derrubando divisórias

Sua biografia é bem viva e perene
Está escrita em pessoas e bençãos
Me despeço com um beijo na mão
Talvez eu te chova, talvez só serene

sábado, 10 de março de 2012

Não Dê Ideia Pra Dor


Presente de Wesley Faria pra mim, no momento e no compasso certo. Gratidão.

Por onde anda seu sorriso?
eu quero saber, quantas horas são,
quantas orações, vou ter que fazer.

por onde o seu passo anda?
por que que já não canta mais?
tanto faz, fogueira ou gás,

Levanta essa cabeça e anda,
Já disse o profeta,
você não é ninguém que iberna,
você é poeta.

Por onde anda seu sorriso?
eu quero saber, quantas horas são,
quantas orações, vou ter q fazer.

Por onde o seu passo anda?
por que que já não canta mais?
tanto faz, fogueira ou gás,

Se ergue a clava forte,
nem mesmo a morte, te oferece dor,
A pena o teu livro-escudo,
Que defende tudo, sem nenhum ardor.

Levanta essa cabeça e anda,
Já disse o profeta,
você não é ninguém que iberna,
você é poeta.

Sem Borracha

Com Wesley Faria 


Não tem amanhã
A vida fica urgente
Não dá tempo de passar a limpo
O esboço da gente
E o que a gente sente
É pra ontem eternamente

Não esqueci de dizer que eu te amo
Não deixei nada pro próximo ano
Não guardei meu choro debaixo dos panos
Não impedi nossos risos
Nem quis meus cabelos lisos

As noites em claro ao telefone
Não foram noites perdidas
Te escutar foi meu travesseiro
E os segredos assumidos
(Olhando pro lado)
Não me deixaram despida
Me escutar foi seu dom faceiro

Tudo isso, cravado aqui na pele
Não doeu e nem feriria
Me faço de papel o resto da vida
Só pra ser o original da sua poesia

Poesia que vem e passa
Mas passa a limpo toda a graça
Cola na janela do peito um retrato
Que diz dia e noite, "vem logo, 
que já começou o primeiro ato"
Vida sem pressa
É o que me interessa

Termina no Ar

Com Wesley Faria

Ao fim de toda aquela rima
E ao fim de todo esse faltar
Só vão restar as nossas músicas
Que nem nossas histórias vão contar

Vim perguntar pro sal do mar
Que mais ele fez além de te temperar
Sem te salgar, nem te amarrar
Sem te deixar, nem desmanchar
Que foi que ele fez pra ser seu par
Sem deixar de ser mar
Sem saber dissertar nada do seu sertão

Pedi ao mar
Que me emprestasse uma onda
Olha, eu já sei me quebrar!
Mas ele só empresta onda
Pra quem se inunda sem afogar

Eu contei que já até transbordei
E ele pediu pra esperar
Que assim que a maré baixar
Ele me apresenta Iemanjá
Diz que ela quem vai me ensinar
A cantar sobre nós dois
Que só com canto a gente se desliga
Do depois

Odoya, Iemanja nem viu
Quando a onda te despiu
Levou todo o mau que um dia existiu

Lavou amor e fé
Devolveu a terra para a sola do seu pé
E disse "vai que seu lugar é no chão"
Senhora das Candeias não sabia
Que o chão é todo o canto,
Mesmo por baixo
Do manto da água imensa do mar,
Por onde as sereias se atrevem a cantar

Odoya, Iemanjá, sempre aqui na beira-d'água,
Feito preta que espera o pescador,
Espero sentada
Escrevendo um verso encantada,
Enquanto não vem meu amor

Redemoinhos

Com Wesley Faria

Se deite na rede
Quando tiver muito caminho
Nas pedras da vida
Quando o remédio não arder
Pra sarar a ferida
Quando o olho insistir em abrir
Sempre que a alma ficar dormida
Se deite na rede
Quando sua escola não ganhar
Quando seu carnaval acabar
Quando a banda parar de tocar
Quando for hora de desfantasiar
Se deite na rede
Peça que o ar se corra
Pra aliviar seu suor
Peça que se gele a loura
Pra degustar tudo melhor
Escute aquela música boa
Pra se embalar sem dar nó
Se deite na rede
Se molhe na sede
Se vede no verde
Se beije e se enfeite
Só pra você ser seu
Só até ano que vem

Só até o fim dos nossos dias
Só até virarmos poesias

Vinho, Lã, Violão



Deixou a blusa
Mas eu queria o peito;
Os braços, a mão.
E escorrega
Mas eu queria grudar,
Ao menos adesivar;
Abotoar.
Ficou o cheiro,
Mas eu queria o paladar,
A barba, o chapéu;
Abraçar.
Queria te fazer de blusa,
Ser fronha pro seu peito,
Seu tórax-travesseiro.
Deixou a blusa
E fez dela um laço, amuleto.
Fez dela a palma
Que me aquece a mão
Ao consentir uma oração.
Ela é minha benção da noite,
É meu espreguiçar da manhã,
É o meu ninar no escuro
Que procede o sonho estranho.
Ela é isso tudo,
E se eu não me engano
Era só um pano.

Rotina Cretina



Seu Clotidiano
Tá me odiando
Passo por ele sem dar bom dia
Digo que vou pro quarto,
Mas ele já sabia

“Ô Seu Clotidiano,
Tem muita gente entrando!
Desse jeito o elevador inguiça!”
E Seu Clotidiano nem pisca.

Esse elevador é meio cigano
Eleva também nosso desengano
Tá subindo, e eu quero é descer
Mas mesmo assim eu entro,
Sei lá por quê!

É muita gente junta
Minha mente tá na janta
Só sei que faz calor
E num tá nem perto do almoço,
Meu Senhor!

Será que se eu puxar assunto
Seu cotidiano vai ser bruto
Ou vai sorrir e dar espaço?
E se ele não ouvir,
Que é que eu faço?
E se ele não rir, nem der abraço?

Seu Clotidiano vai pra cima,
E volta pra baixo.
Anda sempre verticalizado.

O peso dessa gente
Que anda e eleva a dor
É só o dia a dia
Do cotidiano desse trabalhador.

Lençóis Esquecidos




Até o mar aberto fica à margem
Se ele se abrir na sua frente todo dia.
Vira mendigo, um pedinte, esquecido.
Já foi seu abrigo, seu ouvinte, falecido.

O sol se põe, lindo, todo dia
É nosso presente diariamente
Você nem pára pra aplaudir
Mais um mendigo a te pedir.

Corpos estão dispostos na sala,
Assistindo televisão
E pedindo um abraço urgente.
Você sai sem nem tomar a benção.
Viraram mendigos,
Seus pais e toda sua gente.

Você passa ali todo dia,
E o que era pra se fixar
Virou mendigo, quem diria!
O dia a dia tratou de apagar.

Não tem mais valor
Os versos se perdem, viram decoração
O sol vira calor e reclamação
A família? “Não pedir pra nascer, não!”
Ao som de mães de mãos juntas,
Entoando oração.

A poesia disposta todos os dias
Nos mesmos lugares daqui,
Só é percebida uma vez na vida
Por aquele que nunca passou ali.

Alma de Fada

Para a amiga Cacau de Souza
Cacau
Com a calma da temperatura
Que seca lenços no varal,
Antes lagrimados de secura…

Princesa cigana enfeitada com fita
Faz nascer no imaginário da vida real
A candura simples de espantar o banal
No feitiço da dança da moça bonita

O abrir de um livro foi seu parto
Dando início ao conto onde ela é a fada
Fez um portal na janela de seu quarto
Onde bate suas asas e voa desacordada

Será notada em todo reino que chegar,
Pelo veludo de sua voz macia.
É recebida como motivo de romaria
Pelo povo criado em seu próprio olhar

Ela vive o que vê
E escolheu ver a fantasia
Sua vida se veste e se enfeita
Para bailar com aroma de maresia

Suas raízes não a prendem
Justamente porque se estendem
Ao redor de tudo quanto é solo
“Não pousa seu pé no chão”, eu imploro

O rodar da sua saia vermelha
Parece ter firmado acordo com o vento
Que faz rebuliço na sua cabeleira
E tudo vira cena em ritmo lento

Amo a fada sonhadora
Que chegou trazendo magia
Almofada acolhedora
Acalanto de sofá e poesia

Estar São

Com Fael Abranchez
Abraços mudos e demorados
Fazem da respiração uma conversa
Sintonizada longe de qualquer pressa
Ainda que estejamos atrasados

Laço humano que emudece a preocupação
Não quero ser quem vai largar primeiro
Tomara que dure mais que um fevereiro
Que, com verdade, abraço é uma oração

E, se quem sorri reza três vezes
Quem abraça assim vive a meditação
Do estado contemplativo temperado
Pelo sabor inspirado de uma canção

Quando chegar seu outono
Seja a estação que for
Cochile, caso tenha sono
Primavere, se quiser ter flor

Se inverne se quiser usar lareira
Não se inferne só por ser segunda-feira
Veraneie a alegria do amarelo
Faça dessas folhas secas, seu castelo

Pré-Velório

Para Wesley Faria 
Por Guido Perón

Hoje a vida vai até a hora que quiser
Eu nunca tive relógio, nem chofer
Hoje eu só sei que vai amanhecer
E, no mais, hoje eu sei que eu vou morrer

Me levanto como a donzela no dia do casamento,
Pego um copo generoso de café e esquento
Hoje eu quero queimar essa língua minha
Pra servi-la assada, mais tarde, pra formiguinha

Hoje eu vou tomar um banho demorado
Aproveitando que eu tô bem humorado,
Bem do jeito que a garganta gosta,
Eu vou cantar como quem ganhou aposta

Vou molhado para o quintal
E faço do sol a minha toalha
Sinto o cheiro da roupa limpa no varal,
Sorrio e saio pronto pra perder uma batalha

Hoje eu vou usar minha velha fantasia
De Homem-Aranha hippie e hipertenso
A vizinha ri de mim e eu ganho o dia
O sorriso mete medo no bom senso

Ai, que vontade de pular nessa fonte!
Uma baita vontade de aplaudir o horizonte!
Ai, como eu queria beijar essa moça…
Uma baita preguiça de carregar bolsa…

De novo o sol me serve de toalha
Valeram as palmas pro astro da minha vista
Consegui o telefone da Natália
À tiracolo, só minha alma bem quista

É hoje que eu paro de respirar
Eu não tenho mais nada pra anotar
Faço na hora tudo que eu não quero esquecer
Porque todo dia é hoje, e hoje eu sei que vou morrer

Sala de Estar


Eu hoje vi um sofá
Que tava no rio a boiá
Pensei “Oxe, eu vou ajudá!”
Corri pra casa sem pensá

Fiz uma baita catança
Rapelei tudo os cômodo meu
Peguei a TV das criança
Elas chorava, parece até que doeu

Ah, mas eu tarra é com pressa!
Passei a mão numas almofada,
E tudo mais que me interessa.
As peixinha vão ficar retada!

Tornei a passar pelo rio bonito
E derramei tudo as coisa lá
E teve gente que achou esquisito
Mas os peixe agora tem sala de está!

Um Mundo de Faíscas

Para o amigo Giglio
Por Guido Perón

Garantindo meu direito à entorpecência
Quando exerço a mais sabida paciência
Enquanto cuspo fogo e poesia
Na mais draconiana boemia

Essa chama que salta de mim em tempo verbal
Consegue fazer rir e chorar com a notícia
Repousadamente morta nesse lenço de jornal
Em desumanidade que parece fictícia

Às vezes o que se queria, simplesmente
Era que cessasse a lenha podre e alimentadora
Dessa fogueira de cansaço evidente
Que, de tão forte, arrasaria qualquer lavoura

E, incrivelmente belo e com pureza
Seja qual for o fim dessa chama
Ela é sempre fiel à sua natureza
Deveras me queima só porque me ama