Com o tempo, e também com a falta
dele, descobri que eu terminei por me tornar amiga de tudo aquilo que me
cansava, como tivesse uma compaixão louca por tudo quanto é coisa que eu
cheguei à conclusão simples de que é chata. É aperriante, sufocante, massacrante,
tipo Kant. Não sei se é uma aceitação muito humana, ou se é acomodamento, ou se
é esse apartamento… Não sei se é por pura preguiça de gritar, se é por falta de
habilidade de bater…
Talvez seja por tudo isso. Talvez
não. O fato é que eu percebi que, despercebidamente, eu sigo o clichê não muito
famigerado de encontrar uma coisa boa no meio de um monte de coisa ruim e me
agarrar à isso, como quem está num navio prestes a afundar e se gruda na parte
mais alta que encontra. O navio vai afundar, esteja a pessoa onde estiver,
corra pra onde correr. Porque, nesse caso, correr não adianta nada. Nadar sim.
Mas, eu acabo me afogando nesse
mundo de ideias que me vêm à cabeça nas horas mais despretenciosas, como quando
eu vou ali na padaria comprar um açúcar com uma nota de cem reais, só pra
trocar o dinheiro; ou nas horas mais sacanas, quando aquele amigo precisa muito
que eu volte toda minha atenção para o que ele está falando mas eu, à deriva, já
to sendo visitada por essas ondas salgadas que, às vezes, não trazem lixo
consigo. Nessa hora eu chego a pensar que eu sou aquela fraude da concha que
tem “o barulho do mar”, e me arrisco a dizer que se alguém encostar o ouvido em
mim, pode até escutar as ondas quebrando. Ou o meu estômago roncando. Talvez
seja só fome.
De certo que ter um mar na cabeça
nunca foi fácil, mas também nunca foi diferente. E, por pensar assim é que eu
acabei ficando amiga das chatices dos outros e, por consequencia, das minhas
também. Se eu não for amiga do mar, ele é chato. É água salgada, arde o olho, a
onda me sacaneia, me gruda areia, a pele descasca. Mas, me amigando à ele é que
eu o reconheço como parte integrante do mesmo universo que me gerou e, toda
essa imensidão passa a ter uma irmandade quando eu me descubro parte daquela
água. É a morte do eu. Sempre fomos e seremos nós e, ainda assim estaremos
sozinhos, porque eu aprendi uma palavra nova que se encaixa à isso: aporia.
Mas, independente da minha
manipulação do texto para usar a palavrinha nova, eu queria é dizer que hoje eu
penso que somos a mesma coisa. Esse mar não poderia ser eu, porque somos nós. É
natural que eu seja amiga dos mares, das espaçonaves, dos guarda-roupas, dos
quebra-molas, das cebolas, dos vizinhos, dos retratos, dos beatos, dos portões,
dos ladrões, do tempo, do vento, do acento, do coentro. E de tudo mais que
seria chato, mas não é, porque eu aceitei como uma matéria variável do meu
próprio ser.
E eu não sou chata. Eu sou muito
legal.
Eu só gosto de você porque você é nós...
ResponderExcluirEu não gostaria de você se você fosse legal, legal de verdade eu quero dizer.
ResponderExcluirMas esse texto me tirou o folego!
Que texto mais intrigante Deia. Não sei como, mas sinto que sou parte de seus textos.
ResponderExcluirHá muito de mim neles.