quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

As Contas dos Pés

- Com Wesley Faria

Pro ce ssa
'Pra vc, são salvador'
Pra vc são poesias!
Pra outros, profecia!
Pra gente pro te ção
Pro santo que tecia
Pro santo que ora
Pedindo a outro santo que o mau vá se embora
E que volte a calmaria, que o silencio é mais queto depois da gritaria
E a luz entra mais bela quando passa pelo vidro da igreja e pelo altar
E o moço parece tela já que os olhos da menina são pincéis a desenhar
Quando o peito sangra dentro, quando o fogo queima lento o desejo de voar
É que eu lembro da minha terra, e mando a sereia entregar o recado, que um dia inda hei de voltar
Pelas pernas, pelo ar ou mesmo a nado, selo o sonho cavalgado por quem ama o seu lar
Mas nasceu sem endereço, e passou a ter apreço, fez das ruas corredores e nos quartos fez amores,
Não tem cerca nessa casa, e na seca a agua é rasa
Como é rasa sua vida se não for regada a fé, é rasa, seca e moída, feito o negro grão de café
Como é em vão matar a rosa pra provar qualquer amor, não confio nem em político 
E nem em quem mata flor
Não quero ver a flor morta ao lado da procissão, quero a vida aqui devolta, nessa areia do sertão
Que em muito se assimila com meu velho coração, que vive a clamar por agua 
E quem acaba molhada é a minha face seca e rachada
De tanto sonhar com o chão, acordo e morro todo dia, esperando sua leveza
Esperando serventia da água fazer represa
Mas só vejo represália, e cada dia morro um bucado, no pescoço levo uma navalha
E no bolso não tem um trocado
No pé tenho pó e barro, na mão tenho ferpa e calo, de tanto levar facada passei a andar sem sorte
Sem direção, sem norte
Faz tempo que perdi a botina, ganhei calo e machucado, e não me calo se minha retina 
Não se convencer que eu já fui escutado
Se a retina acredita a rotina se fatiga e sei que anida há quem diga que não sou pobre coitado
E tudo que eu tenho na barriga, é um pão bem mal assado, que pelo diabo foi amassado
Mas que já me alegra as lumbriga
E mesmo com gosto de pó, ao menos engana a fatiga que o tempo me deu pra levar
E de repente ouço um batuque e sinto o peito se rasgar, é uma mágica sem truque
Minha Bahia a me esperar
Onde o homem é feito de sangue, de aroma e de orixá, onde o mundo é mais profundo
E o oceano é nosso lar
E a gente mora na areia e dá até pra namorar, toda noite é lua cheia 
E toda onda vem quebrar
É quando o mar me chama 'filho' e a palmeira me deixa descansar
Nessa hora penso e choro dizendo "que bom que voltei pra cá".

Foto: Adenor Gondim

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