quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Suor Bem-Vindo

Nego Fugido 

- Oxi, oxente! Paulo? Ave Maria!
Quase que nem lhe reconheço
Oxi, que até Pai Bento já dizia
“Ele esqueceu nosso endereço”

- Ê ê, Tonho, não me falta memória!
Jamais esqueço dessa rua perfumada
Onde mora a Maria, a Julieta, a Glória
Como que esquece dessa baianada?

- E vai ficar aí parado, é homi?
Parece até que não sentiu o chero
Cê sempre foi cheio de fome
A Rita inda capricha no tempero

- Nem se incomode em chamar duas vez
Que o estomago já tá lá nas costa
Ô Rita, saudade de ser seu freguês
Ô pai, muqueca! Minha barriga gosta!

- Vamo logo, ô seu safado
Sente aí pra me contar da vida
Cê deixou todo mundo retado!
Nem me lembro da sua partida

- Ói que eu andei foi muito, viu
Mas num do conta de comer e falar
Vá me contando aí quem mais partiu
E repare, diz que a Preta vai voltar

- Vai voltar não besta, já voltou!
Chegou a pouco, uns dois antonti
Tarra aí, se anunciando que chegou
E já foi logo ver o sol pondo na ponte

- Ah, essa vista só tem na Bahia
O sol vai embora com tristeza…
É no nascer que ele mostra alegria
A quantas anda a lavadera Tereza?

- Essa aí é que nem o Lacerda
Sobe e desce a ladeira três vez
Mas o pé daqui ela num arreda
Olha que a danada fala té inglês

- Falá estrangero é fácil, ô Tonho
Falá brasileiro certinho que é o cão
Tereza, essa sempre foi meu sonho…
Falar em sonho, sabe da Conceição?

- Essa aí tá solta na bagacera
Largou pra trás o malvado do Zé
Sempre me dá bom dia na feira
Tá lá vendendo cocada na Sé

- Pois acho que faltou foi pressa!
Aquilo não é mulher pro Zé bejá
Ói, que eu gostava dela a beça
Tem mais aí do suco de cajá?

- Tem, mas acabou, e me diga
Por onde foi que cê andou?
Essa barriga deve ter lumbriga
Ou então esse prato afundou

- Me deixe comer em paz, vá
Eu num tenho novidade pra você
Quero saber é do meu vatapá
De minha terra, do nagô, do ilê aiyê

- Num venha de conversa não
E chega, cê já tá de bucho cheio
Me conte como é esse Brasilzão
Caba logo com esse meu anseio!

- Ô Tonho, num te iluda não
Que eu rodei essa pátria a pé
De barco, carro, e até avião
E ninguém me fez um acarajé

Nunca me receberam com trio
Nem vi nenhuma casa de noca
Num vi graça nem no mulherio
Cheguei a sentir dó das carioca

Elas acha que sabe requebrar a anca
Mas não, falta nelas um quebranto
As paulista, vixe! Muito branca!
E a peleja pra achar um pai de santo?

Cê vê, rancaram até minha coroa
Nenhum povo me chamou de rei
Chamei um de meu preto, numa boa
Levei foi um processo e me lasquei

Tem mesmo nada pra lhe contar
Que não tenha melhor na Bahia
Fiquei encabulado, decidi voltar
E acho qualquer baiano voltaria!

Não que seja uma terra perfeita
Dá malandro, tem vagabundo
Isso faz parte da nossa receita
O Brasil é a Bahia do mundo

Foto: Nego fugido - folguedo variante do Quilombo, mantido há pelo menos um século pelos moradores de Acupe, distrito de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Encenação que recria, anualmente, tentativa de fuga de escravo, que é caçado e amarrado, para depois comprar sua alforria.

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