Nego Fugido |
Quase que nem lhe reconheço
Oxi, que até Pai Bento já dizia
“Ele esqueceu nosso endereço”
- Ê ê, Tonho, não me falta memória!
Jamais esqueço dessa rua perfumada
Onde mora a Maria, a Julieta, a Glória
Como que esquece dessa baianada?
- E vai ficar aí parado, é homi?
Parece até que não sentiu o chero
Cê sempre foi cheio de fome
A Rita inda capricha no tempero
- Nem se incomode em chamar duas vez
Que o estomago já tá lá nas costa
Ô Rita, saudade de ser seu freguês
Ô pai, muqueca! Minha barriga gosta!
- Vamo logo, ô seu safado
Sente aí pra me contar da vida
Cê deixou todo mundo retado!
Nem me lembro da sua partida
- Ói que eu andei foi muito, viu
Mas num do conta de comer e falar
Vá me contando aí quem mais partiu
E repare, diz que a Preta vai voltar
- Vai voltar não besta, já voltou!
Chegou a pouco, uns dois antonti
Tarra aí, se anunciando que chegou
E já foi logo ver o sol pondo na ponte
- Ah, essa vista só tem na Bahia
O sol vai embora com tristeza…
É no nascer que ele mostra alegria
A quantas anda a lavadera Tereza?
- Essa aí é que nem o Lacerda
Sobe e desce a ladeira três vez
Mas o pé daqui ela num arreda
Olha que a danada fala té inglês
- Falá estrangero é fácil, ô Tonho
Falá brasileiro certinho que é o cão
Tereza, essa sempre foi meu sonho…
Falar em sonho, sabe da Conceição?
- Essa aí tá solta na bagacera
Largou pra trás o malvado do Zé
Sempre me dá bom dia na feira
Tá lá vendendo cocada na Sé
- Pois acho que faltou foi pressa!
Aquilo não é mulher pro Zé bejá
Ói, que eu gostava dela a beça
Tem mais aí do suco de cajá?
- Tem, mas acabou, e me diga
Por onde foi que cê andou?
Essa barriga deve ter lumbriga
Ou então esse prato afundou
- Me deixe comer em paz, vá
Eu num tenho novidade pra você
Quero saber é do meu vatapá
De minha terra, do nagô, do ilê aiyê
- Num venha de conversa não
E chega, cê já tá de bucho cheio
Me conte como é esse Brasilzão
Caba logo com esse meu anseio!
- Ô Tonho, num te iluda não
Que eu rodei essa pátria a pé
De barco, carro, e até avião
E ninguém me fez um acarajé
Nunca me receberam com trio
Nem vi nenhuma casa de noca
Num vi graça nem no mulherio
Cheguei a sentir dó das carioca
Elas acha que sabe requebrar a anca
Mas não, falta nelas um quebranto
As paulista, vixe! Muito branca!
E a peleja pra achar um pai de santo?
Cê vê, rancaram até minha coroa
Nenhum povo me chamou de rei
Chamei um de meu preto, numa boa
Levei foi um processo e me lasquei
Tem mesmo nada pra lhe contar
Que não tenha melhor na Bahia
Fiquei encabulado, decidi voltar
E acho qualquer baiano voltaria!
Não que seja uma terra perfeita
Dá malandro, tem vagabundo
Isso faz parte da nossa receita
O Brasil é a Bahia do mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário